Texto de Teatro PAI É OUTRA HISTÓRIA


Pai é outra história


De Emílio Carlos


NARRADOR – Pai é outra história. Pai chega cansado do serviço precisando dormir só um pouquinho no sofá.

(Entra o PAI 1, cansado, e desaba no sofá)

NARRADOR – Só um pouquinho: 9 ou 10 horas...

FILHA 1 (off) – Mãe: posso ir na balada?

MÃE 1 – Não sei, minha filha. Pergunta pro seu pai.

FILHA 1 – (off) Ta bom. (entra) Pai?

PAI 1 – (ronca)

FILHA 1 – (senta no braço do sofá) Sabe pai: hoje é dia de balada, né? Toodas as minhas amigas vão.

PAI 1 – (ronca diferente, mais ameno)

FILHA 1 – Então eu vim pedir pro senhor: deixa sua filha querida ir também?

PAI 1 – (silêncio)

FILHA 1 – (dramática, se ajoelha perto do sofá) Deixa, vai! Minha vida pode depender disso!

PAI 1 – (ronca)

FILHA 1 – Eu sabia que você ia deixar! Pai, você é um amor! (vai saindo) Mãe, ele deixou...

(enquanto o Narrador fala o Pai 1 se levanta meio dormindo e sai)

NARRADOR – Tem pai que é radical. Falou ta falado.

(Entram filha 2 e Pai 2, que entra lendo jornal)

FILHA 2 – Pô pai, deixa eu ir na balada, vai?

PAI 2 – Não.

FILHA 2 – Só um pouquinho.

PAI 2 – (inflexível) Não.

FILHA 2 – Puxa vida, viu? (ameaça chorar) Eu não posso fazer nada do que eu quero?

PAI 2 – Não.

FILHA 2 – Você não sabe falar nada além de “não”?

PAI 2 – Não.

(A Narradora entra e os 2 saem)

NARRADORA – Tem pai que sempre tem uma condição...

(Entram Filha 3 e Pai 3)

FILHA 3 - ...daí eu queria sair com minhas amigas. Você deixa?

PAI 3 – Depende.

FILHA 3 – Depende do que?

PAI 3 – De uma coisa?

FILHA 3 – (com receio da resposta) Do que?

PAI 3 – De você levar seu irmãozinho junto.

FILHA 3 – Pô pai: isso não é justo. Levar o Junior junto não.

PAI 3 – É isso: ou o Junior vai junto ou não vai ninguém.

FILHA 3 – Mas ele só atrapalha...

PAI 3 – Ele é seu irmão caçula, Natália. Ele não atrapalha.

FILHA 3 – Mas pai.

PAI 3 – É isso ou nada.

FILHA 3 – Ta bom, viu... Ô Junior!

(Entra o Junior, um cara bem mais alto que a irmã, bermudão, boné virado pra trás, camiseta larga, meio xarope.)

JUNIOR – Fala aí.

FILHA 3 – Vamos sair comigo.

JUNIOR – Pra onde?

FILHA 3 – Com as minhas amigas.

JUNIOR – Ah não. Brincar de Barbie de novo não.

FILHA 3 – A gente não brinca mais de Barbie, viu... seu feio. (sai chorosa)

(O Pai 3 e Junior sorriem e batem as mãos comemorando que conseguiram de novo... Saem)

NARRADORA – É, tem pai de todo jeito. Tem pai que é meio democrático...

(Entra o Pai 4 lendo uma revista e senta no sofá. Depois entra Filho 4)

FILHO 4 – Paiê.

PAI 4 – O que é?

FILHO 4 – Seguinte aí, véio: to querendo “saí” com a gata.

PAI 4 – Pode ir, meu filho.

FILHO 4 – Não, véio. (à platéia) Ele não sacou... Seguin: preciso de grana.

PAI 4 – Grana?

FILHO – É: verba. Verdinha. Dinheiro.

PAI 4 – (suspira e já vai pegando a carteira) De quanto você precisa, meu filho?

FILHO – Bom, pra fala a verdade...

PAI 4 – Deixa pra lá. O que eu posso te dar é isso. (dá dinheiro na mão do filho)

FILHO – Só isso, pai? Isso não paga nem o x-salada...

PAI 4 – (suspira mais fundo) Ta bom. Mais isso e chega.

FILHO – Falô, véio. Tu é da hora. (vai saindo)

PAI 4 – É? De que hora?

(Entra a Filha 4)

FILHA 4 – Paiê.

PAI 4 – O que é?

FILHA 4 – Seguinte aí, véio....

PAI – Véio, não! Pai! Ai que saudade do tempo que você me chamava de papai...

FILHA 4 – Ta bom, pai. É que eu to querendo sair com meu gato...

PAI – E desde quando você tem gato? Você é alérgica a gato, lembra?

FILHA 4 – Namorado, pai.

PAI – Mas já? Assim, tão criança? Ainda ontem você brincava de boneca.

FILHA 4 – Ô, pai: se liga. Isso faz tempo. To em outra onda agora.

PAI – Pois acabou de cair da onda de cara na areia. Nada de gato, nem onda.

FILHA 4 – Então não vou poder sair com o Bazuca?

PAI – (espantado) Bazuca? Isso é nome de gente ou de arma?

FILHA 4 – É o apelido do meu namorado.

PAI – Pois então ele deve ser muito feio e eu estou te fazendo um favor. Vai ajudar sua mãe a lavar louça.

FILHA 4 – Mas o Edgar o senhor deixou, né?

PAI – É. Mas ele é homem.

FILHA 4 - Puxa vida, viu? Eu queria ter nascido homem. (sai)

PAI – Daí você não ia poder namorar o bazuca... (sai)

(Entram 2 pessoas que tiram o sofá e objetos de cena da sala)

NARRADOR – Tem pai que é moderninho e acompanha a filha pra balada.

(Música. Várias pessoas dançando. Em primeiro plano a Filha 5, o Namorado e atrás o Pai 5)

FILHA 5 – Mó legal aqui, né?

NAMORADO – Ô! Demais!

FILHA 5 – Da hora!

NAMORADO – (se aproximando) Você é que é da hora.

FILHA 5 – Fala sério.

NAMORADO – (se aproxima mais) To falando sério.

FILHA 5 – Sério?

NAMORADO – (chega cada vez mais perto) Ta rolando um clima.

FILHA 5 – Na moral.

NAMORADO – (bem perto) Aí gata...

PAI 5 – (interrompe bem na hora do beijo) Quem quer um Halls preto?

FILHA 5 – Pô pai! Justo agora que tava ficando quente?

PAI 5 – Halls preto esfria!

(O baile continua. Volta o NARRADOR)


NARRADOR – Tem pai que leva a filha na balada e fica de boa.

(Entram Pai 6 e Filha 6 )
PAI 6 – Pode curtir, minha filha. Eu vou ficar no bar.

FILHA 6 – Belê! (vai se encontrando com o pessoal) Jack! Amandinha!

JACK E AMANDINHA – U-rú! Ela chegou!

FILHA 6 – Isso aí!

JACK – E adivinha quem está aqui?

FILHA 6 – Não!

AMANDINHA – Ele mesmo! O Edu em pessoa!

FILHA 6 – (comemora com as amigas)

JACK – Ele vem vindo aí.

FILHA 6 – Disfarça.

EDU – E aí mina? (dá um beijinho no rosto dela)

FILHA 6 – (meio sem graça) E aí?

EDU – Vamos nessa?

FILHA 6 – Vamos.

(Os dois saem pra dançar um música lenta. As amigas ficam em estado de êxtase na hora. Enquanto dançam moças vão se aproximando do pai da Filha 6. De repente várias moças estão ao lado dele.)

EDU – Ei, quem será aquele cara?

FILHA 6 – Quem?

EDU – Aquele velho ali, ó! Ta cheio de mina em volta dele.
FILHA 6 – Aquele... é o meu pai! (para de dançar)

EDU – Que foi, gata.

FILHA 6 – Não é com você, Edu. (vai até o pai) Pai: o que está acontecendo aqui?

PAI 6 – Nada. Eu só estava conversando.

FILHA 6 – (pega o braço do pai e vai puxando) Estava. Vamos embora.

PAI 6 – Que é isso, filha?

FILHA 6 – Vamos embora! (vai puxando o pai)

PAI 6 – Mas não era você que queria vir na balada?

FILHA 6 – Perdi a vontade... Vamos!

PAI 6 – (saindo puxado, olha pra trás) Tchau meninas. (acena)

FILHA 6 – Que vergonha! Elas tem idade pra ser suas filhas.

PAI 6 – Eu sei. São todas suas amigas...

(saem. Volta o NARRADOR)

NARRADOR – Mas pai também tem um outro lado...

(vão entrando os pares de pais e filhos)

FILHA 1 – (chorando) Pai: descobri que o Davi tinha outra namorada...

PAI 1 – (consola) Ô, minha filha...

FILHA 2 – Pai: bati o carro.

PAI 2 – Você se machucou? Tudo bem?
FILHA 2 – Eu to bem, pai. Mas o carro...

PAI 2 – Carro a gente conserta, filha. Você é mais importante. (Abraça-a)

(Os outros pais e filhos entram. Música)

NARRADOR – Às vezes ele até parece um estranho. Porque trabalha tanto fora de casa que você quase não o conhece. Mas acredite: ele trabalha por você. É pra garantir um futuro melhor pra você que ele acorda cedo, se mata de trabalhar e depois volta cansado pra casa e desaba no sofá.
Daí a gente acaba ficando mais próximo da mãe do que do pai. Vai ficando aquela distancia que ninguém sabe explicar. Aquela distancia que nem ele nem você tentam diminuir.
Então faça assim: dê o primeiro passo. Tente conhecer mais seu pai. Você vai ver que ele é um cara legal. Um cara que também já teve a sua idade e pode te entender melhor do que você imagina. Alguém que só quer o seu bem, sempre, mesmo quando tem que dizer não.
Por isso aproveite que hoje é dia dos pais e dê um abraço nele. Lembre-se: seu pai não vai estar por aqui pra sempre.


TODOS – Feliz dia dos pais!

F i m