O MENINO QUE NÃO QUERIA SER ELE MESMO
De Emílio Carlos
Era uma vez um menino chamado Joel que tinha dez anos.
Joel
vivia com seu pai e sua mão, que o adoravam. Sua irmã também gostava
muito dele e eles brincavam todos os dias até o anoitecer.
Joel ia bem na escola. A professora gostava dele. Muitos colegas também gostavam dele.
Alem
disso Joel era ator e desenhista. Já tinha participado de várias peças
de teatro na escola e na igreja – e o público adorava o Joel. Seus
desenhos – que ele criava do nada – agradavam crianças e adultos.
Todo
mundo gostava do Joel. Menos ele mesmo. Começando pelo nome: queria ser
Jociel, Josel, Micael, Rafael, qualquer outro “el” – menos Joel.
Joel
olhava para os outros meninos com admiração. E tentava usar o cabelo de
um, o tipo de roupa de outro, falar como um outro falava.
Joel
tentava copiar comportamentos até da televisão. Uma vez inventou que
adorava insetos. E quis figurinhas de insetos, desenhos de insetos,
revistas de insetos. Um dia, porém, ao ajudar na limpeza da casa o Joel
viu um inseto embaixo da cadeira. Frente a frente, cara a cara. Foi uma
péssima experiência. Joel saiu correndo. Descobriu que insetos pareciam
legais no desenho – mas que ao vivo eles não pareciam nada legais...
Esse era o Joel – que queria ser qualquer pessoa, menos ele mesmo. Mas por que? – perguntou seu amigo João.
O Joel não sabia dizer. Não tinha resposta pra isso. Mas tentava ser todo mundo, ter cara de todo mundo, ser comum.
Os colegas gostavam do Joel como ele era – e ele lá fazendo força pra se transformar... no que ele não era.
Um
dia o Joel conseguiu. De tanto tentar agora ele não parecia mais ele
mesmo: roupa parecida com um, cabelo parecido com outro, jeito de andar
de outro, papo de outro ainda. De estudioso passou a ser bagunceiro. De
bom filho passou a ser desobediente.
O
Joel tinha absorvido um pouco de cada pessoa e montado um novo Joel. Um
tanto Frankstein, com um pedaço de um, um pedaço de outro, pedaços
diferentes de pessoas diferentes. E achou que assim seria popular, assim
todos o notariam, todos gostariam dele. Mudou até seu nome para Jorel.
Aconteceu
o contrário: os amigos foram se afastando dele. E o Jorel foi ficando
sozinho, cada vez mais sozinho. E cada vez sem entender mais nada.
Mas por que? Por que ele não fazia sucesso com as meninas? Por que ele não era popular?
Ele
pensava nisso o tempo todo. Um dia ficou ali amuado, num canto do
recreio, triste de dar pena. E seu antigo amigo – o João – se aproximou
dele. Chegou e sentou do lado do Jorel.
E
conversaram. E o Jorel explicou tudo que fez para ser igual a todos,
pra ser popular, para que todos gostassem dele. Daí o João explicou:
- Você era diferente, Joel. E todo mundo gostava de você como você era. Muitos lhe admiravam.
O Jorel pôs as mãos na cabeça. Não entendia isso. Tudo que ele queria era ser igual a todo mundo. E o João disse assim:
- Sabe Joel: no fundo ninguém é igual a ninguém. Todos são diferentes. Por isso não dá pra ser igual a todo mundo.
- Mas eu só queria ser popular... – disse o Jorel.
-
E você era popular – respondeu o João. – Você era tão popular que todo
mundo queria ser como você, desenhar como você, atuar como você, fazer o
que você fazia.
Aquilo era novidade. Quando o Jorel era Joel todos gostavam dele. Agora que era Jorel todos se afastaram dele.
O Jorel foi pra casa, almoçou e ficou no seu quarto pensando e pensando. Pensou e pensou até que tomou uma decisão.
No
dia seguinte o Jorel não foi à escola. Mas o Joel foi: com seu cabelo
de sempre, as velhas roupas e o caderno de desenho debaixo do braço. O
pessoal notou e o comentário correu antes do sinal da entrada tocar.
Com
o passar da manhã os antigos colegas foram se aproximando dele, falando
com ele. E no recreio fez até fila de tanta gente que queria os
desenhos do Joel.
Ali desenhando para os colegas, feliz da vida, o Joel só teve um pensamento. E foi: “Adeus Jorel! Bem-vindo Joel!”.